segunda-feira, abril 11

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 17


O CADÁVER, ENFIM

             Os olhos arregalados de Durval não piscavam quando Botelho destravou as duas trancas de metal na lateral do caixão e abriu a tampa com um rangido.
             Retorcido como uma corda grossa, o cadáver mais parecia um fantasma de tão branco. As roupas, de tal maneira puídas, pareciam um véu branco cobrindo o corpo, fios finos como teias de aranha estendiam-se do corpo até as laterais de dentro do caixão. Ao que parecia o caixão havia ficado mergulhado nas águas do rio por muito tempo. A pele estava esponjosa e quase transparente, permitindo ver as saliências dos ossos. A barriga era bem visível e parecia uma massa disforme que balançava como gelatina prestes a desgrudar da colher. A cabeça estava tão inclinada em relação ao corpo que parecia solta do pescoço. Os globos oculares estavam projetados para fora, sem pálpebras, e a boca semiaberta parecia prestes a dizer alguma coisa. Quando Botelho soltou com um baque a tampa aberta do caixão, o corpo todo tremeu e o rosto virou de um lado para o outro como se dissesse "não" com veemência.
             Durval ouviu um “ploft”. Olhou para o lado e viu Dolores caída no chão. Sem pensar duas vezes correu para ajudar a mulher. Por sorte ela tinha caído em cima do monte de galhos e folhas que Botelho usara para cobrir o caixão. Com cuidado Durval abaixou-se ao lado dela, dando um jeito de sentar-se na pilha de galhos. A bengala do lado.
            — Dodô! Meu bem!
             Durval esfregava as mãos de Dolores com força na tentativa de acordá-la do choque.
            — Eu sabia que não devia ter vindo com ela — disse para si mesmo. Então olhou para Botelho: — Por que você não avisou antes sobre o estado do… olha a situação! Olha isso! — Apontou para o cadáver.
            — Eu não sabia que ele já estava assim, todo se desfazendo. Quando o vi pela primeira vez estava melhorzinho.
            — Você já tinha visto o cadáver? E não avisou a polícia? O que você…? Como você…? — Durval fez uma pausa buscando concatenar as palavras. Então gritou: — Por que??
            — Por sua causa!
            — Que!? Do que você esta falando??
            — Você é o assassino, Durval. Você o matou, não foi?
             Durval levantou-se apoiado na bengala, sem acreditar no que acabara de ouvir.
            — O que!? Você enlouqueceu de vez?
            — Não adianta negar — disse Botelho com tranquilidade. — Eu tenho a prova.
            — Mas que prova!?
             Botelho olhou em volta, como que para certificar-se de que estavam sozinhos. Então vasculhou o bolso interno do casaco e tirou uma faca. Devia medir uns trinta centímetros de comprimento, o cabo de madeira entalhada e a lâmina reluzente parecia bem afiada.
             Então ouviu-se uma voz:
            — Largue a arma!
             Durval e Botelho olharam na direção da mata e viram meia dúzia de policiais apontando pistolas automáticas em sua direção. Entre eles estava Moreira, o delegado.
            — Jogue a faca no chão e levante as mãos devagar! — gritou Moreira.
             Botelho deixou a faca cair no chão e levantou as mãos. Os braços magros e compridos pareciam dois galhos de árvore.
            — Você também, Durval! — disse o delegado. — Levantem as mãos para cima e virem-se de costas.
             Durval levantou as mãos e virou-se.
            — O que houve, hein? — perguntou Dolores voltando do desmaio.
            — Parece que estamos sendo presos, Dodô.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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