sexta-feira, dezembro 4

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 15


NO CAFUNDÓ DO JUDAS

           A camionete de Botelho pulava para cima e para baixo a cada buraco da rua de terra. Durval procurava manter a perna engessada apoiada no assoalho do veículo, mas ela saltava para cima com os trancos. Olhou para Botelho, o professor mantinha os olhos fixos no caminho, as duas mãos no volante e uma expressão sisuda no rosto, nem piscava. Era estranho ver Botelho calado, sempre tão falador e animado.
           No meio dos dois, Dolores parecia ter se contaminado com o clima fechado de Botelho, a mulher estava imóvel olhando para frente, apertava a mão de Durval a cada solavanco do veículo.
          “Encontrei o cadáver”.
           A frase não saía da cabeça de Durval. Era certo que Botelho não batia lá muito bem da bola, cheio de paranoias, mas o professor de biologia havia dito em alto e bom som: “Encontrei o cadáver”. Depois da revelação bombástica, não houve muito tempo para conversas ou explicações, Botelho insistira em mostrar-lhes pessoalmente para não acharem que estava inventando.
           Durval nem acreditava que depois de semanas de perrengues estava prestes a resolver o mistério. No entanto, não se sentia muito à vontade com o fato de Dolores ter teimado em vir junto. A mulher não tinha estrutura para se ver frente a frente com um cadáver, principalmente porque, depois de tanto tempo, o dito não devia estar lá muito agradável de se ver. Ia acabar desmaiando ou passando mal, a mulher. De qualquer forma, Durval ficaria ainda mais preocupado se não estivesse com Dolores por perto, vá que o assassino resolvesse ir até sua casa. O sujeito já havia tentado assassiná-lo empurrando-o de uma ribanceira, quem sabe o que poderia tentar agora?
           Por outro lado, e Durval sentiu um frio na espinha quando o pensamento lhe ocorreu, eles poderiam estar ao lado do assassino agora mesmo. Afinal, quando havia despencado da ribanceira dentro do carro, avistara nitidamente uma camionete F1000, igualzinha a de Botelho. Vá que o professor estava levando os dois para o cafundó do Judas para se livrar deles? Durval sentiu-se uma besta por não ter sido mais precavido.
           Olhou mais uma vez para Botelho.
          — É muito longe?
          — Já estamos chegando. Paciência — disse o professor.
           Durval olhou para a frente. A rua continuava em uma descida íngreme de terra. Olhou pela janela, o retrovisor do lado do passageiro mostrava o rastro de poeira que a camionete deixava para trás. Já deviam estar há mais de cinco quilômetros de casa, mais e mais embrenhavam-se pela periferia deserta da cidade. Um lugar perfeito para um duplo homicídio de um casal de velhos.
           E então Botelho parou a camionete.
           Durval olhou ao redor. Não havia nada. Só uma mata densa de um lado e um paredão de terra do outro.
          — É aqui? — perguntou Durval.
           Botelho não respondeu. Olhou pelo retrovisor, como que para certificar-se de que não haviam sido seguidos. Então puxou o freio de mão e saiu do carro. Foi até o lado do passageiro e olhou na direção da mata, depois virou-se para Durval e fez um sinal com um movimento da cabeça para que eles saíssem.
           Dolores apertou com força a mão de Durval. O que quer que fosse acontecer, não havia mais volta. Durval abriu a porta e desceu da camionete.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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