segunda-feira, abril 28

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 10


PARANÓIA NO HOSPITAL

      Quando Durval abriu os olhos viu Dolores debruçada sobre ele. Os olhos dela estavam arregalados e fixos, a boca entreaberta. A mulher parecia ter visto o diabo em pessoa. As sensações de Durval foram vindo aos poucos. A primeira coisa que sentiu foi Dolores esfregando sua mão com força.
      — Ele abriu os olhos! Abriu os olhos! — ela gritou.
       Imediatamente uma enfermeira e um médico estavam à sua volta. O sujeito acendeu uma luz forte em seus olhos. Parecia o farol de um caminhão. Durval contraiu o rosto inteiro e emitiu um gemido fraco.
      — Durvalzinho… Fale comigo, meu bem — disse Dolores.
       Durval tentou falar, mas só saía aquele gemido rouco pela boca. Nem sabia onde estava. Olhou ao redor e viu o quarto do hospital. Havia um monitor cardíaco à sua direita. Durval conhecia bem o aparelho, já havia passado por duas cirurgias. A sístole estava um pouco abaixo do normal e a diástole meio alta. Mas o coração do velho seguia batendo. Pelo menos não estava morto, pensou.
      — Seu Durval, — disse o médico, — sou o doutor Mateus. O senhor está fora de perigo. Mas fraturou três costelas, quebrou o fêmur em dois lugares e destroncou o ombro.
       O médico era jovem, devia ter menos de trinta anos, uma barba negra, rala e bem feita lhe cobria o rosto. Os olhos eram brilhantes e atenciosos.
      — Teve sorte. Vai ficar algum tempo por aqui — o médico sorriu. — Essa é a enfermeira Marisa, ela vai aplicar-lhe uma injeção para a dor de oito em oito horas.
       Durval concordou, balançando levemente a cabeça. Parecia que havia um trem apitando dentro do crânio. Ele franziu o rosto mais uma vez.
       O médico e a enfermeira saíram do quarto e Dolores debruçou-se sobre o marido. Chegou bem perto e falou baixinho.
      — Quer alguma coisa, meu bem?
       Durval disse um “não" resmungado pelo nariz. Não balançaria a cabeça de novo, por enquanto.
      — Pedi para a Joana trazer a sua flauta, deve estar chegando.
       Fazia tempo que Durval não tocava flauta. Mas todo quebrado como estava não conseguiria nem segurar o instrumento. Mesmo assim ficou feliz por Dolores estar ali, cheia de cuidados. Era bom ser casado por tanto tempo com a mesma mulher e saber que havia alguém que se importava. Mesmo que para trazer a flauta que, com certeza, nem tocaria.
       Dolores não perguntou nada sobre o acidente. Durval achou melhor, não queria conversar sobre o assunto naquele momento. Mas sua mente não o deixava em paz. As imagens voltavam a cada instante. Lembrava-se perfeitamente da sensação de frio no estômago quando despencou com o Corcel ladeira abaixo. O barulho da chuva na lataria do carro quando parou depois de bater na árvore. E as duas figuras sinistras que ficaram olhando para ele de cima da ladeira. Uma era alta e magra, a outra mais baixa, meio curvada para o lado. Aquilo havia sido tentativa de homicídio. Mas por que não desceram para terminar o serviço? E quem teria chamado a ambulância? Durval se sentiu tão paranóico quanto seu amigo Botelho. Por fim adormeceu segurando a mão de Dolores.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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