sábado, junho 23

HOMENS DAS CAVERNAS NÃO BRINCAVAM COM FOGO


– Apague esse fogo!
Uga Junga não sabia falar, mas dizia isso socando a cabeça daqueles que se metiam com a praga luminosa e quente. Além de socos, seu discurso continha berros, urros e gritos. Afinal, ele era o chefe do bando e tratava de fazer seus homens trabalharem duro e não se envolverem em brincadeiras inúteis e perigosas, como essa novidade de agora, o fogo.
As tarefas do bando eram complexas e estavam sob sua supervisão. Afiar pedras para usarem como pontas de lança nas caçadas de mamute, produzir e preparar cordas feitas de folha, cavar buracos para coletar água da chuva, e... Mas que diabos? De novo? Uga Bu estava, DE NOVO, brincando com fogo?
Uga Junga ferveu de raiva. Desceu ligeiro da pedra alta onde ficava empoleirado na entrada da caverna e foi escorregando pela lateral até bater no chão com um baque, em pé. Imediatamente começou a esbravejar pelo meio do bando. Todos pararam, assustados.
Ele queria dar um chute nos gravetos de Uga Bu, que queimavam com aquela luz amarela hipnotizante, mas não se atrevia a tocar naquela coisa. Da última vez que fizera isso teve dores horríveis durante muitas luas.
Uga Bu não se levantou enquanto o chefe esgoelava-se em sua orelha. Agachado estava, agachado ficou, respeitoso. No máximo fazia sons pacíficos e balançava a cabeça de modo submisso a fim de explicar que aquela coisa luminosa poderia ser útil ao bando.
Uga Junga não era bobo. Quem aquele Uga-Ninguém pensava que era para afrontar suas ordens? Tanto fez que o fogo acabou apagando. Sabia que não era fácil criar aquela coisa e esperava que Uga Bu, que permanecia encolhido, tivesse aprendido a lição com os gritos e socos.
Benevolente, não espantaria Uga Bu do bando, pelo menos não ainda. Era bom ter com quem gritar. Mas, enquanto voltava poderoso para sua pedra no alto da entrada da caverna, pensou, sem querer, em uma utilidade prática para o fogo.

sábado, junho 2

SEM CURA


– Não há cura.
O medico disse com tanta convicção que decidi não responder. Seria perda de tempo. Limitei-me a agradecer e sair calado.
Na rua, caminhei por horas. Não queria voltar para casa e encontrar Júlia. A garoa fina de maio começou a cair e o vento frio me fez fechar o casaco. Não me dei ao trabalho de limpar as gotas de chuva nos óculos, conhecia bem o caminho de volta. Quanto mais demorasse para chegar em casa, mais difícil seria.
A porta da casa estava aberta. Entrei e vi Júlia caída no chão da sala. O vento balançava a gola vermelha de sua blusa para frente a para trás. Fui até o telefone e liguei para a ambulância mesmo sabendo que ela já estava morta.
Eu estava alucinando. Júlia tinha morrido há mais de seis anos. Mas saber isso não resolvia nada. A realidade da loucura não depende das lucubrações da lógica. Vai sozinha e chega aonde quer, mesmo ouvindo as suplicas da razão. Eu sabia que minha loucura não tinha cura.
Quando a ambulância chegou, permaneci quieto, sentado no sofá olhando para o sangue que começava a coagular na poça ao lado do corpo. Era vermelho escuro assim como a blusa dela.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...