sábado, abril 28

O OLHO INCOMPLETO

          Por dentro do olho nada havia de interessante. Nada era visto em sua plenitude, achava o olho. Quase tão certo disso estava que nem olhava. Às vezes pensava as coisas, mas sem olhar. Tinha duas opiniões realmente idênticas. Olhar não leva a nada e não movimenta quem vê. Ato passivo. O olho estava fechado, retido em sua descrença. Apagado e sem julgamentos. Claro, ele não negava, que pensamentos de espiar sempre o atacavam. Uma olhadela rápida. Uma piscada, talvez. Ora, não. Ele não cairia na tentação das imagens, das cores que não param de conversar quando são vistas. Das formas. Daquelas doces e amadas formas intensas, cheias de idas e vindas em si mesmas, ângulos. Eram diabólicas. Serpenteavam para dentro do olho mesmo fechado, entravam pela imaginação, a portinhola que sempre se abre, escancarada e promiscua, para qualquer um. Ele nem reparou que já tinha piscado. Um décimo de piscada na verdade e já tinha visto quem estava lá fora. A luciferíssima, que te toma de assalto e explode. A imagem completa em cor, forma e luz. Inteira e pronta, já feita. Aquela que sempre se entrega antes que se peça. Oferecendo seus segredos a quem nem pediu. Demais traidora de seus próprios mistérios. Senhora da libertinagem. Bem diferente do tato, recatado, que só aos poucos se revela. A luz é devassa. Mas nesse momento ele nem se importava com isso. Entregou-se. O olhar estava feito e só fazia avançar.

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